O menino da janela
Todos os dias Toninho passava por aquela rua para brincar na praça com os amigos. Vivia livre, pois era menino de rua. Não tinha mãe e o pai morrera em um confronto com a polícia.
Passavam por uma casa com um janelão, daquelas típicas de residências humildes de cidades do interior e, coincidentemente, todos os dias e no mesmo horário, havia um menino com um doce na mão observando da janela a movimentação da rua. Era o seu horário de lanche.
Até que um dia….
Um dia Toninho percebeu que o menino ficava a observar da janela todos os dias. Moleque que era, mandou os amigos irem na frente e aproximou-se dele:
— Oi, você me arranja um copo d’água ?
— Não posso, estou sozinho em casa.
— E o que o impede de me dar um copo d’água ?
— Você quer um pedaço de doce ?
— Vocês ricos não oferecem nada. São muito convencidos.
E saiu correndo em direção à praça.
No dia seguinte, Toninho novamente pediu água ao menino da janela.
— Vou pedir a minha avó pra buscar, você espera ?
— De jeito nenhum. Você não quer se sujeitar a me dar um copo d’água com a própria mão por que sou menino de rua.
E antes que ele pudesse se explicar, Toninho saiu correndo para a praça.
Por muitos e muitos dias a cena se repetiu. Ora o menino oferecia um doce, o que Toninho recusava, ora ele só queria a água se o menino da janela viesse pessoalmente lhe entregar.
— Não posso descer …
— Tá vendo, orgulhoso!
— Não sou orgulhoso. Gostaria muito de poder estar aí brincando com vocês.
— Mas não vem por que é um riquinho e vovó não quer que você se misture com a gente, não é ?
E saia correndo em direção da praça.
Para Toninho aquela situação diária passou a ser uma rotina prazerosa para eles e para seus amigos de rua, que agora paravam junto com ele para ver as justificativas do menino da janela. E zombavam dele chamando-o de orgulhoso e coisas afins.
Até que um dia…
Um dia a janela estava vazia. E por muitos dias permaneceu assim. Sem menino, sem doce, sem zombarias, sem justificativas. Toninho sentia falta daquela farrinha infantil.
Certa vez, ao passar em direção a praça, viu um senhor colocar uma placa de venda na janela.
— Moço, cadê o menino que morava aqui ?
— Menino ? Você tá falando do Paulinho ?
— Não sei o nome dele, mas ele sempre tinha um doce na mão e eu o via quando ia para a praça.
— O Paulinho faleceu há alguns dias. Ele nasceu com uma doença rara que o deixou paraplégico. Ele não podia andar e a doença acabou por levar ele. A avó dele, de tão triste que ficou, não quis mais voltar pra cá e resolveu vender a casa. Você é um daqueles meninos que ficam brincando na praça ?
— Sou.
— Ele deixou uma coisinha pra vocês.
E foi lá dentro buscar uma garrafa d’água.
— A avó dele se perguntava por que ele sempre pedia que ela deixasse uma garrafa debaixo da janela quando ele estivesse aqui. Era pra vocês. Mas vocês nunca o deixaram explicar …
Toninho nunca mais teve coragem de passar naquela rua.
As vezes julgamos as pessoas pelo que vemos e não pelo que deixamos de perceber. Nem todos nós somos o que gostaríamos de ser, mas podemos ser o que quisermos se pudermos ver e sentir tudo em nossa volta na sua plenitude.